Opinião: Montanha-russa e Arca de Noé: sobre Diversidade, Equidade e Inclusão

Isabel Moço, Professor Coordenadora na Universidade Europeia

5 de Fevereiro, 2024

Não restam dúvidas de que diversidade e inclusão já é um lugar-comum nos fóruns de gestão de pessoas, mas sê-lo-á também na vida das organizações? No dia a dia, nas práticas e nas orientações da gestão? É um tema trendy, não há dúvida que há muito quem o faça bem (pessoas e organizações), mas também é muito evidente que, para alguns, é apenas marketing, marca, estratégia de negócio. Subitamente, muitas empresas anunciaram ”nós somos diversos e inclusivos” e apressaram-se a colecionar um conjunto de iniciativas, muitas vezes sem coerência ou racional de propósito entre si, ou entre si e o negócio e cultura da empresa, quase como se houvesse uma competição para ser o mais “diverso, equitativo e inclusivo”. Se estiver no ADN, perfeito, a questão é que muitas vezes não está, nem é para estar. Se está nas redes sociais, nos cartazes, nas ofertas de emprego, tem antes de estar na vida do dia-a-dia.

A pandemia Covid trouxe muita coisa má, mas também trouxe muito muita coisa boa e muitas oportunidades, como por exemplo trazer à ribalta estes princípios da gestão. No entanto, trabalhar corporativamente estes temas, não é o Santo Graal corporativo ou uma resposta politicamente correta, devendo os temas ser entendidos como articulados com outras temáticas e concorrendo, em conjunto, para cumprir propósito, missão e visão de cada entidade. Não há dúvida que são temas importantes num mundo que está a viver uma profunda alteração dos contextos, relações e culturas de trabalho, em ambientes cada vez mais conectados, multiculturais e exigentes, em que as pessoas sentem necessidade de “pertencer”.

“Diversidade, equidade e inclusão” não é a moda de uma estação, nem a dieta que faz milagres, e também não se resume a juntar “diferentes” e já está. De que vale ter uma empresa cheia de diferentes tons de pele, diferentes origens étnicas ou mesmo opções sexuais, entre outros fatores, se depois temos procedimentos em que se pede que as pessoas ajam todas da mesma forma? De que adianta ter um claim politicamente correto, socialmente atrativo e internamente promovido, se depois cada uma das pessoas não tem espaço para expressar as suas ideias, preocupações, emoções e até necessidades e expectativas? De que servem títulos de programas altamente atrativos e reveladores do objetivo da diversidade e inclusão, se depois nem todos os que os desejam a ele têm acesso (e não nos referimos a critérios de elegibilidade mas, muitas vezes, apenas porque não é a franja que interessa)? E que dizer dos programas de diversidade e inclusão, que incluem ou excluem pessoas, no Excel e numa lógica de quotas? Registar também os eventos corporativos diversos, parecendo muitas vezes que a diversidade só é importante quando tem uma expressão, quando se torna visível. E, já agora, por que não trazer esta reflexão às questões da discriminação positiva, por exemplo no acesso ao emprego, tantas vezes indiferente ao respeito que devemos ter por todas as pessoas?

A verdadeira diversidade e inclusão está muito para além das estatísticas e das aparências, exigindo ambientes de trabalho genuinamente acolhedores e um clima geral de confiança, partilha, growth mindset e verdadeiro sentido humanista do papel das pessoas no trabalho. Pode parecer, neste texto, que tudo se faz mal neste objetivo, mas não: há extraordinárias políticas, programas e iniciativas de entidades que realmente tem este referencial no seu propósito, nos seus procedimentos e nas suas práticas. Mas é precisamente por fazerem tão bem, que tantos outros inspirados por eles, mas que não sabem como fazer, o fazem mal, quase numa tentativa de replicação das marcas de luxo, que a contrafação produz. Louvor e reconhecimento a todas as entidades e profissionais que de forma honesta, consciente e responsável concebem e implementam extraordinários programas de “diversidade, equidade e inclusão” – aos outros, sigam, aprendam e internamente promovam a discussão: com uma pitada de sarcasmo inclusivo.

Nunca tanto como hoje, o cuidado das pessoas com as pessoas, é tom. Se considerarmos que o gestor de recursos humanos é o responsável maior por cuidar das pessoas, ainda que se entenda uma responsabilidade partilhada, recai sobre ele a maior das responsabilidades e compromissos por acomodar estas questões de diversidade, equidade e inclusão. Ainda assim, será difícil que o consiga em pleno, se não cuidar de si ou, se preferirmos, se não for uma ”healing person” ou um “healing professional”. Será difícil, numa outra perspetiva, criar ambientes diversos, equitativos e inclusivos, se o gestor de pessoas facilmente ceder ao stress, às pressões ou às prioridades de outras áreas, e não conseguir cuidar-se ou se não tiver devidamente acomodado no seu mindset, no seu sistema de valores, nos seus princípios mais fundamentais, quer pessoais quer profissionais, a vantagem inequívoca que é termos diversidade cognitiva, diversidade atitudinal e diversidade nas práticas e vivências proporcionadas na organização – mas não é só tê-las, é devidamente acomodá-las e transformá-las em mais valias para todos. Ficam então só algumas questões para reflexão: Quanto tempo de qualidade já investiu em compreender (de facto) a diversidade – os diversos, na sua organização? Quando, na sua organização, pensam em medidas ou programas para promover estes princípios, auscultam as pessoas e sabem o que elas pensam sobre as medidas que pensam adotar? Conhecem a matriz de caracterização mais profunda das vossas pessoas (ao nível das convicções, opções, credos, etc.)?

Em matéria de diversidade, equidade e inclusão não podemos andar acima e abaixo, como numa montanha-russa, porque o que se sente numa subida íngreme é diferente do que se sente numa descida abrupta, e a experiência depende de todo o conjunto. Além disso, reunir 2 de cada espécie – e já agora de género diferente, não foi a única tarefa de Noé, pois teve de os acomodar convenientemente, sob pena de não garantir que após o dilúvio, a integridade de todas as espécies estivesse assegurada.

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